O setor de seguros enfrenta um dilema ao adotar a inteligência artificial (IA). Embora a tecnologia traga a promessa de otimização e maior precisão, especialistas alertam que ela pode transformar consumidores em "não seguráveis" sem fornecer qualquer justificativa clara. A Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido advertiu recentemente que as seguradoras devem ter cautela ao utilizar IA, especialmente em suas formas mais avançadas, conhecidas como "caixas-pretas". Essas ferramentas podem tomar decisões complexas e altamente personalizadas, mas sem transparência, levando a recusas de cobertura que podem deixar os consumidores desprotegidos e sem explicações.

O setor de seguros já vem utilizando IA há anos para tarefas que exigem análise de grandes volumes de dados, como a modelagem de risco. No entanto, a recente explosão de produtos de IA generativa que prometem personalizar ofertas e ajustar preços com base em dados detalhados do cliente levanta novos desafios. Embora essa personalização possa beneficiar os consumidores, reduzindo os custos para alguns, ela também pode acarretar riscos significativos para outros.

De acordo com analistas do setor, a IA pode decidir, sem fornecer motivos claros, que uma pessoa não é segurável. Isso ocorre porque a IA, ao processar grandes quantidades de dados, pode replicar e perpetuar vieses históricos presentes nesses dados. Dessa forma, certos grupos de consumidores podem ser injustamente discriminados, um problema que já foi observado em diversas outras aplicações de IA.

O viés algorítmico não é uma novidade. Já foram identificados casos em que programas de IA tomam decisões enviesadas em áreas como contratação de funcionários e concessão de crédito. Agora, o mesmo risco surge no setor de seguros, onde consumidores podem ser afetados de forma direta. Se não forem implementadas medidas de supervisão e regulação adequadas, a IA pode se tornar uma ferramenta perigosa, resultando em consequências sociais e econômicas desastrosas.

A possibilidade de discriminação algorítmica por IA em seguros tem sido comparada a práticas de preços dinâmicos em outras indústrias, como a venda de ingressos para eventos. Esse tipo de prática, já alvo de críticas, mostrou como a personalização excessiva pode gerar indignação pública. As seguradoras, portanto, precisam se preparar para lidar com possíveis escândalos decorrentes da adoção de IA em processos decisórios.

Além de lidar com os desafios internos, o setor de seguros também deve estar atento a um fenômeno emergente: o uso de IA por fraudadores. De acordo com o International Travel & Health Insurance Journal, houve um aumento no número de reclamações fraudulentas no Reino Unido, com uma parcela significativa dessas fraudes contendo conteúdo gerado por IA. Isso levanta a necessidade de as seguradoras reforçarem suas defesas contra crimes cibernéticos e aprimorarem suas capacidades de detecção de fraudes, utilizando a própria tecnologia para combater esse problema crescente.

À medida que o uso da inteligência artificial se torna mais disseminado no setor de seguros, surgem questões éticas e práticas sobre seu impacto nos consumidores. A personalização prometida pela IA generativa pode ser um divisor de águas para muitos, oferecendo preços mais acessíveis e condições adaptadas, mas o risco de discriminação e de decisões inexplicáveis não pode ser ignorado. Para evitar que a IA se transforme em uma ferramenta que exclua consumidores e aumente as desigualdades, as seguradoras precisam agir com transparência, garantir que seus algoritmos sejam auditáveis e supervisionados e adotar medidas que protejam os consumidores de decisões automatizadas injustas. O equilíbrio entre inovação e responsabilidade será crucial para garantir que a IA beneficie a todos, e não apenas alguns poucos.