Segundo especialista, conselhos administrativos devem possuir equipe multidisciplinar para preservar a organização.
Inconsistências revelaram um rombo de R$20 bilhões de reais nos balanços contábeis da Americanas. O caso veio à tona no início de janeiro e gerou muitas especulações sobre as irregularidades e falhas de governança da rede varejista. Pouco tempo depois de solicitar uma medida cautelar para preservar o caixa, a rede entrou com pedido, em caráter de urgência, de recuperação judicial das dívidas que, na verdade, somam mais de R$47,0 bilhões de reais e que colocam em risco o emprego de 44 mil funcionários, entre permanentes e temporários.
Mais recentemente a varejista começou a fechar suas lojas. No dia 31 de janeiro, uma folha de papel ofício foi colada com durex na porta da Lojas Americanas no Shopping Jaraguá, em Araraquara, SP, informando que a unidade foi fechada. Esta é uma das consequências dos últimos acontecimentos envolvendo a marca.
Entre as muitas especulações do caso Americanas, uma é de que as irregularidades na condução dos balanços não eram recentes e as práticas contábeis eram de conhecimento do corpo diretivo da empresa. Sendo assim, é possível questionar as eventuais falhas de governança da diretoria executiva e dos conselhos de administração, fiscal e de auditoria, visto que cabe aos conselheiros supervisionar as ações da diretoria executiva, aprovar demonstrações financeiras, relatórios de auditoria e o que foi feito pela administração, inclusive a atuação contábil que garanta o correto funcionamento da empresa.
Os integrantes de um conselho administrativo decidem se uma prática contábil que não é comum oferece risco de transparência na demonstração financeira. Em nota à imprensa, a Lojas Americanas defendeu seu conselho de administração. "Tão logo se deu conta das inconsistências contábeis, o conselho de administração sinalizou o compromisso em divulgar a apuração e o trabalho de retificação dos números, com seu auditor externo atual", diz a nota. Somente uma investigação profunda deverá apontar as eventuais responsabilidades.
São em situações de crises como essa da Americanas que se destaca a necessidade dos conselheiros administrativos terem ética, transparência, responsabilidade e postura profissional. O executivo e conselheiro, André Coji, que ministrou no Encontro 5 do Programa + Mulheres na Governança, desenvolvido em Curitiba por um grupo de mulheres executivas, destaca que essas são competências extremamente importantes para quem deseja ocupar um cargo tão importante dentro de qualquer empresa. "O papel dos conselheiros não é simplesmente concordar com as decisões do proprietário ou fundador. A grande responsabilidade do conselho de administração é fazer com que a empresa cumpra com seus objetivos com transparência, ética e sobretudo com foco no seu negócio", enfatiza Coji.
Os integrantes dos conselhos devem possuir formação multidisciplinar a fim de garantir que os recursos sejam aplicados da melhor maneira possível, gerando o retorno esperado. Além disso, todas as ações planejadas devem visar o zelo e a manutenção dos valores, princípios e o padrão de comportamento da empresa. Aos conselhos administrativos, cabe deliberar sobre as estratégias da organização e solucionar possíveis desentendimentos entre sócios e gestores. Os conselheiros devem atuar para proteger o patrimônio empresarial orientando as ações dos executivos. "O que se espera dos conselheiros é que possam ajudar a levantar pontos necessários para a atividade da empresa, desenvolvendo o papel de ESG, implantando compliance, que é muito importante e valorizado, e, muitas vezes, dosando a ansiedade do controlador. Podemos dizer que os conselheiros atuam até como um controller ou um crítico do dia a dia, pois representam o interesse de todos os sócios e não de uma minoria", destaca Coji.
Ele enfatiza que ainda que a atuação dos conselheiros abrange estabelecer quais são as prioridades e elaborar planejamentos, que devem levar em conta os riscos a serem enfrentados e minimizar os possíveis prejuízos para os investidores. "Se não há um planejamento adequado, transparência e ética na hora de gerenciar crises, a empresa quebra, e esse é o ônus do papel do conselheiro", finaliza Coji.
Programa + Mulheres na Governança
Uma pesquisa realizada pelo Women Corporate Directors Foundation (WCD), entre 2021 e 2022, mostra que o número de mulheres nos conselhos de administração no Brasil saiu de 124 para 133, o que representa um crescimento de apenas 7%. Com o objetivo de incentivar mulheres a ocuparem esses espaços, um grupo de oito mulheres desenvolveu, em Curitiba, o Programa + Mulheres na Governança (P+MG).
A primeira fase do programa, intitulada Despertar, foi composta de cinco encontros. Cada um dos encontros reuniu cerca de 50 mulheres dispostas a aprender mais sobre o assunto com palestrantes especialistas em governança e conselhos administrativos, sendo um deles André Coji, convidado do último encontro e que falou sobre "O Papel do Conselho de Administração e o Papel do Conselheiro".
A segunda fase do P+MG, intitulada Despertar e Fortalecer, terá início em março deste ano e será dividida em oito encontros, sendo quatro presenciais e quatro virtuais. A proposta desta segunda fase é apresentar às participantes as inúmeras possibilidades que existem dentro dos conselhos administrativos das empresas e despertar e fortalecer a vontade delas em buscarem estes espaços.